segunda-feira, 1 de outubro de 2007

LPO - AULA01 - Exercicio 01

Leia o texto e responda as questões que o seguem.

Nível de dificuldade: Difícil (*****)
(Nivelei por cima para testar a capacidade de interpretação de vcs; Podem discutir o exercício em dupla ou trio, mas não se enganem: não colem! ;p)

Em defesa da palavra


Nas longas noites de insônia e os dias de desânimo, aparece uma mosca que fica zumbindo dentro da cabeça da gente: Vale a pena escrever? Será que as palavras sobreviverão em meio aos adeuses e aos crimes? Tem sentido esse ofício que a gente escolheu - ou pelo qual foi escolhido ?

AS pessoas escrevem a partir de uma necessidade de comunicação e de comunhão com os outros, para denunciar aquilo que machuca e compartilhar o que traz alegria. As pessoas escrevem contra sua própria solidão dos demais porque supõem que a literatura transmite conhecimentos, age sobre a linguagem e a conduta de quem a recebe, e nos ajuda a nos conhecermos melhor, para nos salvarmos juntos. Em realidade, a gente escreve para as pessoas com cuja sorte ou má sorte se sente identificado: os que comem mal, os que dormem pouco, os rebeldes humilhados desta terra; que em geral nem sabem ler. Dentre a minoria alfabetizada, quantos dispõem de dinheiro para comprar livros?

Que bela tarefa a de anunciar o mundo dos justos e dos livres! Que função mais digna, essa de dizer não aos sistemas de fome e das cadeias - visíveis ou invisíveis! Mas os limites estão a quantos metros de nós? Até onde os donos do poder nos dão permissão de ir?

A gente escreve para despistar a morte e destruir os fantasmas que nos afligem, por dentro; mas aquilo que a gente escreve só pode ser útil quando coincide de alguma maneira coma a necessidade coletiva de conquista da identidade. AO dizer "Sou assim" e assim me oferecer, acho que gostaria de, como escritor, poder ajudar muitas pessoas a tomar consciência do que são. Enquanto instrumento de revelação da identidade coletiva, a arte deveria ser considerada matéria de primeira necessidade e não artigo de luxo. Entretanto, na América Latina, o acesso aos produtos de arte e cultura está vedado à imensa maioria das pessoas.

A obra nasce da consciência ferida do escritor e se projeta ao mundo. Então, o ato de criação é um ato de solidariedade.

Acredito no meu ofício; creio no meu instrumento. Nunca pude entender porque escrevem esses escritores que vivem dizendo, tão cheios de si, que escrever não tem sentido num mundo onde as pessoas morrem de fome. Também jamais consegui entender os que convertem a palavra usada: a culpa do crime nunca é da faca.


Creio que uma função primordial da literatura latino-americana atual consiste em resgatar a apalavra, que foi usada e abusada com impunidade e frequência, para impedir ou atraiçoar a comunicação. "Liberdade" é, no meu país, o nome de uma cadeira para presos políticos; chama-se "Democracia" a vários crimes de terror; a palavra "amor" define a relação homem com seu automóvel; por "revolução" se entende aquilo que um novo detergente pode fazer em sua cozinha; "glória" é o que um sabonete de certa marca produz; "felicidade" é a sensação que se tem ao comer salsichas; "País em paz" significa em muitos lugares da América Latina, "cemitério em ordem"; e onde se diz "homem são" deveria se ler muitas vezes "homem impotente"

Ao se escrever, é possível oferecer o testemunho de nosso tempo e de nossa gente para agora e para depois, a pesar da perseguição e da censura. Pode-se escrever como que dizendo, de certa maneira: "Estamos aqui, aqui estivemos; somos assim, assim fomos". Na América Latina, lentamente vai tomando força e forma uma literatura que não ajuda os demais a dormir; antes, tira-lhes o sono; que não se pode enterrar os nossos mortos; antes, quer perpetuá-los; que se nega a limpar as cinzas mas, em troca, procura acender o fogo.

Essa literatura continua e enriquece uma formidável tradição de palavras que lutam. Se é melhor - como cremos - a esperança à nostalgia, talvez essa literatura nascente possa chegar a merecer a beleza das forças sociais que mudarão radicalmente o curso de nossa história - mais cedo ou mais tarde, por bem ou por mal. E quem sabe ajude a guardar, para os jovens que virão, "o verdadeiro nome da coisa" - como dizia o poeta.


Eduardo Galeano, jornalista e escritor uruguaio.


Questões :


1) Para Galeano, o que leva uma pessoa a escrever?
2) Quais os motivos que levam a arte ser considerada um "produto de luxo" e não, "matéria de primeira necessidade"?
3) o "ato de criação é um ato de soldieriedade". Explique essa afirmação.
4) Num dos parágrafos, o autor nos fala da manipulação da linguagem, isto é, um trabalho mais ou menos sutil realizado com a linguagem com o intuito de persuadir o leitor, de envolvê-lo em conceitos e significações equivocados visando a objetivos ideológicos ou comerciais. Transcreva um exemplo de manipulação da linguagem comentada no texto.
5)Galeano afirma: "A palavra é uma arma que pode ser bem ou mal usada: a culpa do crime nunca é da faca". O pensamento continau sendo válido se substituissemos "palavra" por "televisão" ("A televisão é uma arma...")? Por quê?

Obs. Das 5 questões acima, escolha no mínimo 3 para fazer. Se fizer todas, ótimo, parabéns pelo esforço!

Obs2: Vou perguntar a cada uma de vcs na próxima aula de português uma das respostas acima. Seria bom que vcs respondessem, sabe ?

Divirtam-se!!!

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